domingo, 26 de abril de 2009

Diabolepsia

A incompreensão gera desconfiança. O homem sempre está buscando respostas para suas perguntas (pra quê mais seria?). E quando se depara com algo que não consegue explicar, justifica como injustificável. Assim surgiram os mitos. E ao aceitar o mito como realidade, surge o dogmatismo que engessa o raciocínio, transformando as pessoas em estátuas de sal (Não tente entender, só ouça seu coração). O homem preso à moral dogmatizante é ingênuo, despreza o raciocínio, presume e aceita silenciosamente o mito.
E quando alguém age ou pensa diferente, primeiramente é visto como incomum, para depois ser julgado e condenado (Ela usa salto alto, queimem a herege!!). Ou seja, o pré-conceito faz parte dos domínios da crença, não tem qualquer base racional e vai além de qualquer argumento. Logo, o que é incógnito é rapidamente demonizado e exterminado.
Aí vem a grande questão: por que as pessoas dão maior valor ao invisível do que ao visível? Qual o problema de dar um pouquinho mais de atenção à "vida terrena" em detrimento da "promessa do paraíso"? De forma alguma estou tentando desvalorizar a consciência mítica, pois esta é indispensável à vida humana, pois sem fantasia a vida não faria sentido algum (não que faça sentido com ela).
Estou dizendo aqui que a verdade não está lá fora e que, só por que um sacerdote disse que Alberto é santo, não significa que Alberto seja santo. Não. Só observo que talvez Alberto, apesar de boa pessoa, não seja sagrado.

P.S.: Não afirmo que o invisível não exista, mas só que não podemos vê-lo.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

O Descobrimento do Brasil

Baseando-se no calendário gregoriano, há exatos 509 anos “descobriram” um lugar que acabou por ser chamado de Brasil. Então vamos comemorar!
Vamos comemorar o aniversário do Brasil que tem um passado de absurdos gloriosos. Vamos cantar o hino nacional com a mão no peito. Eu não sei o que quer dizer “o lábaro que ostentas estrelado”, mas e daí? Amemos nossa bandeira que representa nossas desmatadas florestas, nosso ouro roubado por uma opulenta minoria, nossos azuis (agora cinzas e poluídos) céus e nossa paz que não nos permite mais sentar no banco da praça à noite.
Envaideçamo-nos por termos sido o último país das Américas a abolir a escravatura. Aliás, ainda não abolimos! Hoje eu posso ter meu próprio escravo. De qualquer etnia e religião, desde que tenha mais de 18 anos e uma carteira de trabalho. Farei com que ele trabalhe de domingo a domingo e pagar-lhe-ei, dentro da Lei, o suficiente para que ele mal sobreviva.
Vamos festejar as epidemias! É lindo ver a dengue matando tantos. Todos mortos por falta de hospitais, todos doentes pela burrice da população. População que deixa água parada no quintal quase que propositadamente, talvez pra poder observar os mosquitos se procriando, mesmo sabendo que isso trará malefícios.
Vamos pular por uma das semanas de fevereiro e fingir não ouvir crianças suplicando por um pedaço de pão antes de morrerem de fome. Embriaguemo-nos e postemo-nos em frente a um volante. Reclamemos daquele maldito guarda que nos parou e nos disse que não tínhamos condições de dirigir. Ora, bolas! Quem ele pensa que é? Ofereçamos uma oncinha para que ele me libere e eu possa atropelar pessoas que ficam nas paradas de ônibus. É óbvio que ele vai aceitar. Afinal, ganha tão pouco quanto vocês, pobres, sujos, ociosos, que estão onde estão por pura preguiça.
Laureemos a vitória do nosso time e exterminemos todos os rivais. Ei, só porque vestimos (meus amigos e eu) camisas que têm listras horizontais vermelhas e pretas e odiamos aqueles que vestem camisas brancas com uma faixa diagonal preta não quer dizer que somos de uma gangue. Bem, andamos armados e matamos também, mas é diferente. Diferente não sei como…
Não sei me explicar. Não sei me expressar. Mal sei ler. Ué, quando eu era jovem não tinha escola. O descaso com a educação era evidente, por isso não estudei… Aliás, ainda hoje o descaso se evidencia. Há quem tente melhorar esse quadro, mas eles são loucos. Querem que meu filho entre às 7 horas da manhã e só saia às 5 da tarde! Dizem que ele vai ter aulas de educação física, artes, informática. Ele não precisa disso. É só bater baba na porta da rua, pichar o muro dos riquinhos e ir à Lan House acessar seu Orkut. O que ele precisa é ir à casa da avó à tarde.
Ah, a avó, aquela idosa. Trabalhou honestamente por toda sua vida e hoje não tem direito a nada. Mas ela não votou direito nas eleições democráticas que se passaram… Foram apenas algumas, mas foram bem democráticas! Sim, sei que ela é analfabeta, mas esse país (nação, não) ainda é democrático.
Valeu a pena “descobrir” o Brasil!

segunda-feira, 20 de abril de 2009

A morte de Romeu

"Deu mole na balada, eu vou pegar geral, a onda é beijar e tchau, tchau" (Aviões do Forró)

O romantismo parece estar caminhando para o "abismo do esquecimento" (ha, ha, ha! Abismo do esquecimento). Hoje em dia, fala-se muito de sexo e pouquíssimo de amor. Talvez porque seja muito mais difícil falar de amor do que de sexo. E, paralelamente ao crescimento das cidades, aumenta a solidão das multidões (O Mal do Século). Quiçá o discorrer sobre sexo seja uma forma de disfarçar a impessoalidade dessas relações de modo que o contato físico simula o verdadeiro encontro.
A sociedade impõe um padrão de comportamento que visa somente o prazer imediato, ignorando coisas simples e fundamentais como o respeito, educação, entre outros. Atualmente, quem "pega mais gatinhas" em uma festa é o macho dominante. Aquele que ousar dizer que lê poesias ou que não gosta de beijar por beijar é apedrejado em praça pública (ainda tenho marcas de uma pedrada na cabeça). Quem se envolve menos, sofre menos, chora menos, mas será que também não vive menos?
Nesse mundo cada vez mais atarefado, tentamos aliviar nosso estresse pegando sempre mais e mais gatinhas, mas não entendemos que estamos cada vez mais sós.

"Me diz porque será, que a gente atravessa o rio atrás de água e diz que não está nem aí" (Engenheiros do Hawaii)

domingo, 19 de abril de 2009

Índios

Hoje é dia do índio, lembra-se?
Acho que não… Se você ainda estivesse no primário talvez se lembrasse, pois te encheriam de uma maquiagem horrível, penas na cabeça e obrigar-te-iam a usar uma tanga feita de saco de estopa à qual tens alergia. Você seria um curumim perfeito segundo as normas de como é ser um índio (vulgo estereótipo).
Ei, hoje é domingo e não teria aula. Então, ainda assim você não se lembraria que é hoje o dia do índio (e você não iria ter de cantar aquela música em que se bate a mão na boca enquanto solta um “Uhhhh”).
Ah, os índios. Aqueles… aqueles… matutos… que visitamos nas nossas férias. Ficamos observando-os como fazem com ratos brancos numa jaula. Ficamos observando-os como se eles fossem uma espécie exótica, sei lá… como se fossem lobos voadores azuis ou um Pokémon raro.
Ah, os índios! Eles ainda existem? Baseado em conjecturas (constatações feitas através daquela caixa que fala de longe e deturpa fatos) pude concluir que não mais. Os índios não existem mais! Não num sentido mais profundo! Como assim? Bem… Eles falam português… usam bermudas jeans… ouvem o resultado do Fla-Flu pelo rádio. Não passam de estúpidas pessoas comuns como você e eu (ops!), só que com uma cútis cor de bronze e cabelos lisos. Sim, talvez ainda batam alguns tambores, se pintam e caçam com armas rústicas. Entretanto, se embriagam, estupram e fumam crack, sem contar o fato de que vão às cidades grandes pedir esmolas e são queimados por cientistas pirófilos que acham divertido queimar os ratos. Não são mais verdadeiramente índios.
Como era lindo o estilo de vida dos indígenas! Viviam peladões pela selva como pagãos, dançando e tocando flauta de pan. Mas lhes deram espelhos e… a maldade humana também.

sábado, 18 de abril de 2009

A pobreza é essencial

É impossível um mundo sem pobres. Se eles não existissem, quem iria varrer sua rua ou aparar a grama do jardim de sua casa? Quem liga se eles se alimentam mal e têm que esperar na fila por horas para ouvir o doutor dizendo que a dor que sentem nas costas é por excesso de trabalho? Afinal, a rua precisa ser varrida e você não vai se sujeitar a um trabalho desses. Pois você estudou bastante para vencer na vida e merece algo melhor.
Infelizmente essa é a mentalidade dominante em nossa sociedade. A pobreza é essencial. E o "pobre" é visto como mais uma parte do jogo. E se centenas de milhares de pessoas morrem de fome por ano, é triste, mas é assim que as coisas têm que ser. Porque o sistema não pode parar.
Para onde quer que se olhe, ouvem-se proclames que tudo é possível para quem tem dinheiro e, de certa forma, pelos exemplos que nos cercam, parece verdade. E então o dinheiro passa de nível, colocando-se em um posto mais alto que o do próprio homem (com o dinheiro do meu casaco de pele poderia ajudar várias pessoas, mas eu morreria sem ele).
Hoje é impossível reverter esse quadro e colocar o ser humano em seu lugar de direito, acima do dinheiro, mas até o início do século passado também era impossível para o homem voar. Então, enquanto Santos Dumont não vem nos salvar, só me resta aparar a grama do jardim de casa.

domingo, 12 de abril de 2009

O Mal do Século


Cantou Renato: “O mal do século é a solidão / Cada um de nós imerso em sua própria arrogância / Esperando por um pouco de afeição”.

Acho que ele estava certo, a solidão é o mal do século (se bem que neoplasmas malignas, SIDA e aquecimento global também o são).

Mas, veja bem… humano nenhum vive bem sozinho. Não estou dizendo que precisamos de outras pessoas pra “dar o pezinho” enquanto subimos num coqueiro e pegamos nossa fonte de nutrição. Digo que ter outra pessoa pra conversar e compartilhar seja lá o que for, desde segredos a idéias, é necessário.

Temos no mundo, hoje, mais de 6 bilhões de humanos. É muita gente! Entretanto, percebo que quase todos são muito solitários (analisando profundamente), principalmente nos lugares onde há uma maior aglomeração de pessoas. Das duas GRANDES cidades que já visitei até hoje (Salvador e Recife), consegui perceber que muitos de seus habitantes são bem solitários. Aliás, conheci pessoas que vivem num nível de solidão intrigante. Pessoas ricas, relativamente bonitas e dotadas de peculiar capacidade intelectual, mas mesmo assim não têm amigos e vivem na terapia. Por que será?

Há diversas explicações. Renato nos deu uma. As pessoas são demasiadamente sozinhas e não cedem de maneira alguma. Elas são presunçosas, intolerantes e suficientemente exigentes. Querem que todos sejam iguais a elas. Querem receber sem dar. Esperam que seu clone caia do céu compreendendo-as, mas não se esforçam nem um pouco para entender o outro. E nesse pseudocálculo onde “A” é igual a “C”, o resultado é sempre “Error”.

Pessoas com dez dedos partilham uma amizade… Porém quando encontram um enedáctilo caem de pau sobre ele. Não toleram o fato de outrem ser diferente. Excluem o coitado, deixando-o vagando pelas ruas da árdua procura de outro desprovido de um dos quirodáctilos.

Não obstante, muitos impedem que outros cosam seus belos bordados, pois não permitem que esses peguem o fio da meada.
— Oi, quer ser meu amigo?
— Você tem amigos?
— Não!
— O quê? Eu nunca seria amigo de uma pessoa que não tem amigos.
Fica complicado assim.

Queimem a bruxa

Há muito tempo atrás, em uma vila muito distante de tudo e de todos, viviam camponeses simples e, talvez por isso, muito supersticiosos. Em meio a esses vilães, havia uma senhora que se destacava tanto por sua aparência incomum e por sua admirável sabedoria. Ela possuía uma enorme verruga na ponta do nariz, e por ter uma perna menor que a outra, usava uma velha vassoura como uma bengala. A velha era uma espécie de conselheira da vila. O valor que as pessoas do vilarejo davam aos mais sábios era tanto que praticamente ninguém procurava a pobre senhora, mas quando alguém solicitava algum conselho seu, sempre ficava maravilhado com a incrível sensatez da velha.
As coisas seguiam seu rumo natural, até que em uma tarde chegaram à vila uma tropa de cavaleiros de armadura prateada e com uma bandeira com uma enorme cruz no centro. E mais estranho ainda era seu líder, um homem magricela, com uma túnica e um velho livro de capa preta na mão. Os habitantes dali logo se reuniram em volta dos excêntricos visitantes. Os camponeses se olharam mais curiosos que assustados, em um silêncio que logo foi quebrado pelo chefe dos cavaleiros:
— Não temam, pois estou aqui em nome de Deus para protegê-los de todo mal!
Os vilães se entreolharam e um deles perguntou:
— Qual mal?
O cavaleiro-chefe não conteve um suspiro quando disse:
— A ignorância é uma benção. Por acaso não sabe que esse reino está sendo assolado por bruxas?
Os camponeses estremeceram ao ouvir aquele nome, não faziam a menor idéia do que eram bruxas, mas parecia uma coisa horrível.
O que é uma bruxa? — perguntou uma menina. O cavaleiro-chefe parecia soltar fogo pelas narinas quando respondeu que bruxas eram adoradoras do demônio. Todos pareciam desesperados agora. Demônio? Oh, meu Deus! Ao longe alguém pensou em perguntar quem era o demônio, porém achou melhor não dizer nada. O cavaleiro-chefe exigiu silêncio e então disse em voz alta:
— Bruxas se disfarçam de pessoas normais, mas têm algumas marcas, como grandes verrugas, voam com vassouras e possuem gatos pretos. Vocês conhecem alguém assim? Lembrem que estão ajudando a Deus se me ajudarem.
Em um assombro, várias pessoas gritaram horrorizadas:
— Tem uma velha aqui cheia de verrugas e muitos juram que já a viram voando com sua vassoura!!
— Eu já vi — gritou outro.
Um menino chegou apressado na casa da velha senhora para contar o acontecido e a encontrou gravemente enferma sentada em uma rústica cadeira na varanda. Depois de ouvir o relato do menino ela disse:
— Não fiz nada de errado, então nada temo.
Não muito depois disso, os cavaleiros e a população enfurecida chegaram à casa da velha. O cavaleiro-chefe falou alto:
— Você é acusada de blasfêmia e adoração do demônio. Eu, em nome da misericórdia de Deus, lhe concedo a graça de se arrepender antes de ter sua alma purificada pelas chamas.
—Você acha misericordioso eu me arrepender de uma coisa que não fiz e muito menos sei o que é, antes de ser jogada na fogueira? — respondeu a velha. Antes que o homem pudesse retorquir, ela continuou:
— E como sabe o que deus pensa? E com que autoridade fala em nome dele?
— Como ousa? Autoridade concedida à minha pessoa foi pela Santa Igreja. Deus nos diz o que quer através das Sagradas Escrituras. — disse o homem.
— Então ele diz que podem matar em seu nome, só porque eu… Desculpe, mas sou acusada de quê mesmo?
— De bruxaria — gritou um camponês.
— É porque todos que têm verrugas e vassouras são bruxas — gritou outro.
— Ah, claro, quer dizer que sempre que precisaram de mim eu era apenas uma velhinha inocente, agora que esses estranhos chegaram sou uma bruxa? — Ninguém nada disse.
— Então vocês vão deixar essas pessoas lhes dizerem o que fazer e pensar só por que elas falam em nome de um deus que vocês nem conhecem e que se diz misericordioso, mas que na realidade julga e pune com extrema crueldade?
O fim dessa história não se conhece, mas só se conta que, naquele dia, um pouco mais tarde, ao longe, se via uma enorme coluna de fumaça vindo da direção da vila…
O Atestado Pedante não é um blog de contos, mas resolvi dar uma diferenciada. Sintam-se à vontade para jogar tomates se não gostarem, mas, por favor, não atirem pedras, elas machucam…

domingo, 5 de abril de 2009

A raposa livre no galinheiro livre

Todo homem é livre. E, nessa condição, tem o direito de acumulação ilimitada de propriedade. Mas isso gera um certo desequilíbrio na sociedade, pois se você come todo o pão, como ficam as outras crianças? Logo, não posso exercer meu livre direito de comer pães, por que não há mais nenhum. Não há total liberdade de fato, a não ser pra quem chegar primeiro. Então se conclui que nem todo homem é livre (quero meu pão) justamente pelo fato de todo homem ser livre!?!
A liberdade só é desempenhada pelos donos do dinheiro (ou pão, se você preferir) e o povo (padeiros), ao tentar levar a efeito sua liberdade, percebe que seu campo de ação é restringido pela livre escolha de alguns privilegiados.
Nessa selva dos mais fortes que cada um só luta por si mesmo e não deve nada a ninguém, a liberdade não existe. E sempre que os padeiros (pobres) tentam de alguma forma exercer seu inalienável direito de liberdade são vistos como desordeiros, preguiçosos ou comunistas (que ofensa!).
O mais paradoxal de tudo isso é que o homem é um ser social (não capital) e só se preocupa consigo. De que adiantaria ter uma Hornet Honda 2009 sem ninguém para ver? Não se pode ser famoso sem ninguém para te reconhecer. O liberalismo não é liberdade. O liberalismo é individualismo. O individualismo gera solidão.
Enquanto a liberdade de um for sustentada na escravidão do outro, as pessoas não serão realmente livres.

P.S.: Só para esclarecer, não quero acorrentar as raposas, eu só gostaria que as galinhas ganhassem dentes e garras…