quarta-feira, 13 de maio de 2009

Escravocracia Esconsa

…como eu estava dizendo, o Brasil foi o último país das Américas a abolir a escravatura. Digo, foi o último país ocidental independente a acabar com a escravidão. Aliás, ainda não abolimos! Hoje eu posso ter meu próprio escravo. De qualquer etnia, religião, gênero… Desde que tenha mais de 18 anos e uma carteira de trabalho. Posso fazer com que ele trabalhe de domingo a domingo e pagar-lhe-ei, dentro da Lei, o suficiente para que ele mal sobreviva.
Há exatos 121 anos correu o rumor de que o regime de escravidão tinha sido banido do Brasil. “Uma linda princesa teria salvado milhares de pessoas de suas situações aflitivas com apenas uma assinatura. Ela, que acabou por declarar posse do cognome ‘A Redentora’, era uma pessoa muito boa, por isso defendeu os africanos e seus descendentes que estavam sendo escravizados no Novo Mundo.” Pelo menos é essa a historinha que nos contaram no primário.
Porém aquela nossa professora de História mal paga do ensino médio contradiz essa versão dos fatos e nos avisou (antes de ser raptada por homens de preto) que as coisas foram bem diferentes. Eu não estava lá pra confirmar, mas diz-se que “Abolição, abolição” era o coro da nação. O populacho cairia de pau sobre a filha de D. Pedro II se essa não assinasse a lei que extinguiria a escravidão no Brasil. Ou seja, não havia generosidade alguma, apenas medo de decapitações e outros interesses capitalistas que não vale a pena mencionar nesse texto. "A Lei Áurea deu liberdades aos negros e mulatos, mas não lhes garantiu alguns direitos fundamentais, como acesso à terra e à moradia, que os permitissem exercer uma cidadania de fato"¹. Apesar de tudo, não nos atentemos aos afro-descendentes aqui, apenas aos trabalhadores brasileiros de uma maneira geral.
É claro que há aqueles que trabalham de segunda a sexta, das 8 às 12 e 14 às 18 (talvez menos), sim, sentados em frente a um computador, numa sala com ar-condicionado! Entretanto, encaremos os fatos. A grande maioria dos trabalhadores tem um expediente exorbitante. Entram às 7 e só saem às 19 horas, de segunda a sábado (ou domingo). Acordam às 6 (ou antes) e chegam em casa às 20 horas (ou depois). Tudo isso num desgaste físico, psicológico e emocional incomensuráveis. Quando chega ao fim do mês, ganha um salário insignificante. Salário esse que se evapora num único dia. O quê? Achas tu que estou sendo hiperbólico? Não! Meu bloquinho de experiência de vida está cheio de anotações, pois já vivi (ainda vivo, agora com menos intensidade) dessa maneira.
Quando eu trabalhava não importa onde, chegava a ficar mais de 36 horas sem poder ir pra casa, e quando finalmente deitava na minha cama, teria 12 horas pra me recompor e voltar pra senzala, não importando se era domingo ou feriado. Depois as coisas melhoraram. Eu entrava às 7 horas, tinha 90 minutos de almoço, voltava e saía às 19h30. Sabe quando eu vivia? Nunca. Não, nunca não é muito tempo. Eu caía na cama (ploft!) e o despertador vomitava um som lancinante indicando que hoje, quarta-feira, já seria amanhã, segunda-feira. Minha vida passava, simplesmente. Eu nem via a cor do tempo. Recebia um maldito dinheiro que não dava pra gastar. Como eu iria à loja de roupas se essa estaria fechada nos meus minutos de folga à noite?
O Ministério do Trabalho poderia me ajudar? Sim, ele poderia. Ele poderia, sim! […] Enfatizemos o futuro do pretérito e relembremos que estamos no Brasil.
E ninguém, não faz nada? Não, pois ninguém está trabalhando agora. Ninguém deve estar sendo açoitado por palavras estressadas de um gordo leitão capitalista, tendo toda a culpa sendo colocada sobre seu dorso.
Soluções? Não me atrevo a propor soluções aqui (— Você dá muita lição de moral, Giuliano). Só o que sei e queria que você soubesse (se é que já não sabe ou que não tinha percebido ainda) é que hoje não passa de mais uma data sem um fundamento de bases sólidas. Assinaram o fim da escravidão no dia 13 de maio, mas a escravidão ainda existe por aqui.

8 comentários:

Welma disse...

13 de maio rsrs vc acaba de me recordar que faz exatamente um ano que a USP fez comemorações em louvor a princesinha pelo fim da escratura. A USP! Nossa melhor universidade!?! rsrs...

O jeito é cantar Legião:
"A mentira é o que nos faz ser tão fracos
A verdade é o que nos leva para o outro lado

Quando a dignidade partiu ohhhh...
Levou tudo que tinha valor
Quando a esperança partiu ohhhhh...
E com ela me levou para o outro lado"

Giuliano Marley disse...

É, lembro disso, Wendy. (Já faz um ano? [claro, dumbass])

***

Sobre o Ministério do Trabalho, em termos literais, digo que trabalha-se 500 horas e assina-se na folha de ponto como 8 horas diárias.
Eu poderia protestar, mas o protesto apenas faria com que a corja de desempregados aumentasse.

Apesar da omissão (porque estamos no Brasil), o trabalho desse órgão fica complicado por causa do fato supracitado.

Fabiano Che disse...

A escravidão só acabou por que eles precisam de mais pessoas para consumir

william gomes disse...

Mas afinal, a liberdade existe?

Welma disse...

Caro William, como pseudo existencialista eu respondo: a liberdade existe sim!

P.S. Giuliano: Wendy? Então serei eu uma personagem do Peter Pan? Uau... nova dúvida pra minha existencia real/imaginária!!! rs

João Mello disse...

a data em si é sim importante. Não vejo pecado algum em comemorar o 13 de maio. Não devemos é reverenciar nenhuma princesinha, como diz o post. Entretanto o 13 de maio é a data da libertação do escravos e é um momento sim para refletirmos sobre esse período terrível do Brasil que foi a escravidão. Ah, e só continuando a falar da data os próprios quilombolas comemoram o dia. É isso mesmo. Comemoram o dia em que, depois de tanto terem que lutar, foram livres dos trabalhos forçados.

Mais disso aqui:

http://listadeideias.blogspot.com/2009/05/africanidades.html

http://listadeideias.blogspot.com/2009/05/no-batuque-do-quilombo.html

Fabiano Che disse...

João, não sei se você leu todo o post, mas giuliano, pelo menos na minha opinião, estava sendo irônico ao dizer "linda princesinha". O texto não diz que não devemos comemorar "o 13 de maio", mas que a escravidão ainda existe por meio de "gordos leitões capitalistas" que pagam quantias irrisorias por trabalhos absurdamente exaustivos.
Um abraço e volte sempre.

A Direção disse...

João, não sei se você leu todo o post mas, giuliano, pelo menos no meu ponto de vista, estava sendo irônico quando disse "linda princesa". O texto não diz para não comemorar o "13 de maio", ele questiona se a escravidão realmente acabou, pois como podemos ver "gordos leitões capitalistas" pagam quantias irrisórias por trabalhos áduos e desgastantes.

Um abraço e volte sempre.

A Direção